Resenhas

(GIZELA DE BRITO – LUANDA (ANGOLA)

Virginia Woolf. A paixão da leitura.

Tradução de Tomaz Tadeu • Editora Autêntica


A paixão de Virgínia Woolf


A paixão da autora tem nome: leitura.

A ensaísta, novelista, editora e crítica inglesa é encorajada desde cedo, pelo progenitor, a desvendar os mistérios do ambiente literário. A educação e o meio no qual está inserida (a alta sociedade londrina) oferecem-lhe oportunidades pouco comuns a uma mulher da época.

O texto ilustra o fascínio, prazer e alegria pelo ato de ler, e desvela uma tela com lares decorados de poemas, histórias e livros. Ao trajeto do leitor afere-lhe diferentes nuances: simular ser escritor, cúmplice no processo da escrita, criativo e distante na difícil tarefa de formulação de uma opinião isenta de influências. Responsabiliza o «ledor» pelo percurso criativo de forma a compreender, estimular, encorajar, criticar, julgar e rejeitar.

Impele-nos, na senda da obra-mestra, a estóicos empenhos: «Os grandes escritores, exigem, assim, que façamos heróicos esforços para lê-los corretamente. Eles nos vergam, eles nos quebram».

O processamento do livro é o arrebatamento

Virgínia assume-se guardiã dos segredos do método e revela o indissociável papel de autora-escritora.

«Estamos ajudando a trazer livros bons ao mundo

e a tornar os ruins impossíveis»

A fórmula parece-me complexa, como complexo é o prazer da leitura para Woolf.

A narrativa não transpõe o domínio da literatura com voz masculina e não penetra no universo feminino, à exceção da alusão a Jane Austen.

Virgínia Woolf não distingue nomes de escritoras inglesas e estadunidenses.

A responsabilidade como feminista não justificaria e agregaria pinceladas mais intensas ao tema da tela?

Virgínia volteia metáforas com obras-primas de mestres da literatura, presenteia-nos com sombras, luas cheias, e justifica as diferenças como questões imorredoiras.

Por fim, desenvolvida a paixão, a obra possui mérito e destaca-se no universo.

«Ler mudou, muda e continuará a mudar o mundo», e assim se desadormece a consciência coletiva.




©️ texto de Gizela de Brito - Lisboa, 2024

©️ fotografia de página, Gizela de Brito

©️ imagem de Virgínia Woolf, acessível na internet



Esta resenha e a que se segue foram o resultado de um trabalho realizado na

OFICINA LEITOR(A)-RESENHISTA de @rodas literárias,

um projeto indepedente cuja voz e imagem é de Mozi Neri, no Brasil.


A sensibilidade, técnica e paixão pela leitura, leva-nos a uma experiência diferenciada de leitura e à escrita literária.

O ponto fucral é o mergulho nas formas breves de prosa.

17 Vezes Maria e Um Chute Anónimo

Resenha

Conceição Evaristo, mineira, maestrina da escrevivência, rege no conto Maria uma narrativa clara, precisa e doce em frases curtas, mas plenas de sentimentos. Orquestra a forte gesto, o cansaço, dor, saudade, mágoa, medo, raiva e desespero da personagem principal. As referências múltiplas do nome Maria, mulher-negra-periférica, reforça a forte presença no meio que habita, e confirma a marca identitária de mãe, provedora, amante e mártir.

A quase-felicidade por voltar a casa, o saco pesado que carrega com esmolas do seu trabalho, um osso de pernil, um dinheirinho bom e fruta, fazem-na divagar.

Em flashbacks, enquanto aguarda o transporte, recorda os filhos, amantes e preocupações, e suporta a custo a dor do golpe da faca na mão.

O surgimento, em cena, de uma segunda personagem altera o curso da viagem de regresso ao lar.

Entretanto, anuncia-se o evento.

O futuro começa aí, quando a humanidade tropeça e golpeia.

Maria queria tanto dizer ao filho que o pai lhe havia mandado um abraço, um beijo, um carinho”.

O que acontece quando a escrita evaristiana conta a história de uma mulher negra 17 vezes referida em quatro páginas?

O que acontece a uma qualquer mulher da periferia, qualquer mulher do Brasil, qualquer mulher que vive, luta e sofre para sobreviver todos os dias, num mundo cheio de armadilhas, no qual o agressor pode ser qualquer um?

“Porque é que estavam fazendo isso com ela? ”


Trinta anos depois, José Falero, trabalhador da escrita, no conto Rosa-bebé , elabora a introdução com fala densa: o processamento do que significa a irreversibilidade da evolução tecnológica numa relação estreita e a par com o sistema de desumanização progressivo.

Prossegue, descrevendo um cenário no qual o narrador é testemunha.

“Meu trauma é perpétuo.”

A trama descrita atormenta-se, instala-se o pânico e o narrador, na primeira pessoa, convida o leitor a não minimizar o sucedido. Como poderíamos fazê-lo?

É possível ficarmos indiferentes às memórias de dor e padecimento?

Um cenário, semelhante a um julgamento, compõe-se: testemunhas, cúmplices, agressores e uma vítima. O espetáculo cruel repete-se, o sacrificado, desta vez, é desconhecido.

A pergunta é a mesma: Porque é que estavam fazendo isso com ele ?”


A cena desenrola-se, em espaço reservado como com Maria, mas a céu aberto. A visualização, transportada para o presente, de um tempo mais longínquo, mas nem por isso menos vivo nas lembranças, não minimiza o desespero dos gestos e intenções observadas, das vozes ouvidas, da imundície, do diabolismo do aglomerado de gentes, e da crueldade sentida pelo narrador, hoje não tão jovem como outrora.

Uma vez mais, um evento foi anunciado.

A testemunha não estava preparada no passado, não está agora, nunca estará, e tampouco quer estar.

Ninguém está preparado para que o chute anónimo seja o ponto comum. O panorama é transversal às épocas referidas pelos autores.

De onde parte o chute anónimo e o golpe à Maria?

Será a mesma personagem: o golpeador e o que chuta?

“...a humanidade, coitada, não passa de uma senhora aposentada, enferma, da qual mais ninguém quer saber…”


Os dois contos pautam pela reflexão conscienciosa e profunda das questões relativas ao fenómeno social fraturante: a falta de empatia, solidariedade e amor. Histórias que cruzam personagens e espaços periféricos, e partilham testemunhas e cúmplices.


O vilão é, igualmente, comum e coletivo.


Serão os grandes vitoriosos, a desumanidade e o chutador-golpeador-anónimo que se passeiam de mãos dadas e coração cruel pelos becos da vila Sapo, e se sentam nos transportes públicos da vida?

Será que são os dois o mesmo, ou o reflexo um do outro ?

Conceição Evaristo e José Falero, em Maria e Rosa-bebé , conhecem-no bem.

Talvez o conheçamos bem, também nós…


Gizela de Brito, de Luanda, Angola

Autora da resenha


Conceição Evaristo. Olhos d’água.

Editora Pallas

José Falero. Vila Sapo

Editora Todavia

3887 caracteres com espaços



Creditos da fotografia: ©️Gizela de Brito

Créditos de arranjo de fundo e composição: ©️Vlady Machado- 2023, Portugal

Gizela de Brito

Gosto de escrever, fotografar, desenhar, pintar e poemar.

Tenho paixão pela leitura.

Amo a natureza.

Adoro viver.

SOBRE MIM

Gizela de Brito

A Sussurradora d'Estórias

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Gizela de Brito